Os recursos materiais existentes no planeta Terra não são suficientes para, a longo prazo, darem resposta à elevada demanda humana e aos desastres provocados pelas alterações climáticas. Neste sentido, a economia circular, que visa maximizar a utilização dos recursos e evitar o desperdício, constitui uma forma de dar resposta a este desafio, representando também uma oportunidade para as empresas encontrarem novas formas de criação de valor.
O Jornal Económico contatou várias entidades que têm vindo a desenvolver mecanismos que promovam uma mudança de comportamentos para reduzir o consumo insustentável e acabar com o desperdício, visando igualmente a consciencialização da sociedade para aquele que é um problema global (ver caixas neste artigo e fórum nas páginas 6 e 7). Empresas como a Sonae MC, Crédito Agrícola, Veolia e AEPSA – Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente têm vindo a desenvolver projetos na área da economia circular, com o objetivo de criar um modelo económico reorganizado, tendo como base o princípio da reutilização das matérias primas. Isto porque o atual modelo económico de ‘extrair, transformar e descartar’, característico de uma economia linear, deve conhecer limitações muito em breve e é necessário inverter essa tendência através da adoção de um modelo económico sustentável, que permita uma melhor coordenação entre os sistemas de produção e de consumo.
Mas passar de uma economia linear para um modelo circular não é tarefa fácil e exige um trabalho contínuo de reutilização e reciclagem, sempre com uma visão a longo prazo. A ideia é que, com os excedentes da produção se construam novos materiais, que possam regressar ao mercado para serem comercializados, sem que percam o seu valor comercial e mantenham as suas condições de consumo. Ao mesmo tempo, a reutilização dos excedentes permite às empresas reduzir a percentagem de desperdícios e, desta forma, contribuirem para um ambiente menos poluído, mais sustentável e com melhores perspetivas de futuro.
Entre as empresas contactadas pelo Jornal Económico, destacam-se projetos como o da Sonae MC que, a partir dos excedentes alimentares dos hipermercados Continente, se tem dedicado à produção de uma gama de doces e chutneys, baseados na ideia basilar de que, “na economia circular, nada se perda e tudo se transforma”. Já o Crédito Agrícola tem vindo a defender a ideia de que os bancos têm, neste setor, um importante papel, ao impedir que se cometam crimes ambientais ao não financiar empresas que não cumprem certos critérios que têm em vista a sustentabilidade dos recursos existentes.
Ainda no que toca à economia circular, a AEPSA tem como principais objetivos o aproveitamento de materiais reutilizáveis e recicláveis, o aproveitamento e produção de energias renováveis, assim como a recolha e tratamento de águas residuais.
Por sua vez a multinacional francesa Veolia aposta, nas suas empresas localizadas em Portugal, na valorização energética de resíduos sólidos urbanos e também na operação e condução de instalações energéticas em edifícios e indústrias, bem como a prestação de serviços de manutenção e otimização do mix energético e eficiência energética e ambiental.
1- SONAE MC é pioneira no reaproveitamento de sobras alimentares
A sustentabilidade, tal como a economia circular, fazem parte do ADN da Sonae MC. A empresa tem vindo a desenvolver vários projetos, que visam influenciar positivamente os consumidores. A Sonae MC tem projetos de economia circular ao nível dos recursos utilizados na atividade de retalho, como a água, a energia ou os transportes. A empresa foi pioneira no lançamento de produtos feitos exclusivamente a partir de excedentes alimentares recolhidos nas lojas Continente, que retornam sob a forma de novos produtos de qualidade, contribuindo para a sustentabilidade do sistema alimentar. Entre esses produtos destacam-se uma gama de doces e chutneys do Panana.
O diretor de sustentabilidade/ economia circular da Sonae MC, Pedro Lago, explica ao Jornal Económico que estes produtos foram criados numa lógica de sensibilização do consumidor e de combate ao desperdício, tendo até agora “ganhos muito significativos”. “Quando refiro ganhos, refiro-me a ganhos económicos, a impactos muito positivos em termos ambientais e até a ganhos sociais que resultam, entre outros aspetos, da criação de empregos”, sublinha.
A Sonae MC tem também prestado especial atenção aos excedentes da casa-mãe e ao reaproveitamento que pode ser dado a esses produtos a fim de se evitar o desperdício. Para tal, a Sonae MC faz doações a instituições de solidariedade social. “Damos nova vida aos produtos que perderam valor comercial, mas que preservam ótimas condições de consumo”, indica Pedro Lago. Os dados da empresa mostram que, só em 2018, a Missão Continente fez doações equivalentes a 11,2 milhões de euros a 950 instituições de solidariedade social (mais 78 que em 2017) e para as áreas sociais das lojas, entrepostos e estruturas centrais, para consumo dos colaboradores durante o período laboral. Além dos excedentes alimentares, a Sonae reaproveita ainda produtos para casa e lar, como têxteis e decoração.
A Sonae MC tem ainda procurado eliminar internamente o uso de plásticos descartáveis, garantindo uma utilização responsável deste material. A empresa espera que 100% das embalagens sejam reutilizáveis ou recicláveis até 2025. A Sonae MC tem também procurado encontrar soluções de economia circular em toda a cadeia de valor, desde a produção até ao consumidor. Exemplo disso foi o ciclo de programas “Sabores de Sobra” com o chefe Kiko, focados em receitas de reaproveitamento de excedentes.
2- Crédito agrícola quer BANCOS A TRAVAR crimes ambientais
O Crédito Agrícola é outra das entiidades que tem dedicado alguma atenção à questão da necessidade de serem tomadas medidas para controlar o consumo insustentável dos recursos mundiais. No observatório “Economia Circular: Desafios e oportunidades para a economia portuguesa”, organizado pelo Crédito Agrícola em parceria com o Jornal Económico, em outubro, o presidente do conselho de administração do Crédito Agrícola, Licínio Pina, defendeu a necessidade de a banca estar sensibilizada para estas questões e ter um papel preponderante no controlo dos desperdícios e na promoção da economia circular como uma alternativa à subexploração. O Crédito Agrícola acredita que só a economia circular pode garantir o futuro das gerações futuras e levar à tão necessária redução dos desperdícios, através do reaproveitamento de todos os produtos em fim de vida. Licínio Pina defendeu ainda que “o banco tem aqui um importante papel, ao impedir que se comentam crimes ambientais ao não financiar estas empresas que não cumprem certos critérios”. “Daqui por dez anos, os bancos estarão dotados da capacidade de analisar essas atividades sobre uma empresa”, anteviu, num discurso proferido durante o observatório sobre a economia circular. “É preciso que o crédito seja apreciado neste conceito de economia circular e não linear. Temos que olhar em termos de ambiente: o que é que a empresa faz aos seus desperdícios? Reutiliza-os? Simplesmente coloca-os no aterro? Essas questões são absolutamente essenciais para o futuro”, acrescentou.
No que toca à sustentabilidade da gestão, o Crédito Agrícola subscreveu, no final de 2017, a Carta de Princípios do BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, documento que estabelece os princípios que constituem as linhas orientadoras para uma boa gestão empresarial. A carta procura incentivar os subscritores a irem além daquilo que a legislação prevê e adoptam “práticas reconhecidas e alinhadas com padrões de gestão, éticos, sociais, ambientais e de qualidade, em qualquer contexto da economia global”. Entre os príncipios presente na carta está a redução do consumo de recursos naturais e a geração de resíduos, maximizando a eficiência dos processos, a reutilização e a reciclagem.
3- AEPSA alerta para o risco das alterações climáticas
A Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA) mostra-se preocupada com o tema da economia circular. “Temo que a economia circular comece a ser um chavão a quem já ninguém liga, mas é extremamente importante”, refere Eduardo Marques.
O presidente da AEPSA relembra que a “água que nós temos no planeta é exatamente a mesma que tínhamos no tempo dos dinossauros, mas atualmente está muito pior. Mais poluída e há zonas onde já não existe. É um bem que andamos constantemente a tratar mal”.
Para que o rumo deste setor comece a ser positivo, Eduardo Marques considera que “é imprescindível que todas as políticas públicas e privadas tenham um sentimento claro de que o ambiente é para defender e que a economia circular é fundamental para a sustentabilidade futura dos recursos, porque senão os recursos vão acabar”.
No ponto de vista das empresas, a “gestão e capacitação” são “uma preocupação dominante em tudo o que nós fazemos. Quer seja na reutilização da água, na eficiência hídrica”.
Eduardo Marques acredita que “a boa gestão está na base de uma economia circular eficaz. Até porque, as alterações climáticas estão aí e vamos ver se conseguimos meter um travão nisto”.
O engenheiro mostra-se optimista para o futuro. “Acho que estamos num bom caminho, mas temos de ser rápidos porque o clima está a dar provas de que não podemos esperar que as coisas se resolvam por si próprias”.
Uma das principais áreas de intervenção da AEPSA passa pela recuperação de produtos suscetíveis de reutilização ou reciclagem, nomeadamente, a transformação e preparação de materiais ferrosos, não ferrosos, papel, cartão, VFV (veículos em fim de vida), e outros materiais passíveis de tratamento.
4- Veolia aposta na partilha de conhecimentos
Para o country manager da multinacional francesa Veolia em Portugal, José de Melo Bandeira, o tema da economia circular está a ter um “grande dinamismo”.
O engenheiro assume que, “na verdade, o conceito de economia circular está inerente à missão da Veolia, de conceber, desenvolver e implementar soluções que promovam a gestão sustentável dos recursos nas vertentes da água, energia e resíduos”.
Com várias empresas espalhadas pelo território português, José de Melo Bandeira assegura que projetos não faltam à empresa. “São muitos e sobretudo muito diversos”, até porque, “a economia circular exige um trabalho muito próximo da realidade e das necessidades específicas de cada indústria e de cada cidade e obriga a uma colaboração essencial – os resíduos de uns podem ser os recursos de outros”.
Como tal, a empresa aposta na formação como método para um melhor sistema de economia circular, tendo “nesse sentido, até desenvolvido alguns workshops com empresas que querem implementar um processo ou mesmo um sistema mais global de economia circular, onde a identificação das oportunidades e o estudo de caso é feito desde o princípio com a nossa participação, com a mais valia que o Grupo Veolia, estando presente em todo o mundo, tem sempre exemplos já concretizados no terreno para partilhar”, refere José de Melo Bandeira.
Desta forma a Veolia já tem “em curso projetos de reutilização das águas residuais e recuperação de nutrientes, de produção de energia a partir dos resíduos/biogás e de valorização de resíduos orgânicos, aproveitamento do biometano resultante de tratamentos anaeróbio para introdução na rede de gás natural, entre outros”, afirma o engenheiro.
O responsável da empresa considera que “a reutilização/reciclagem de materiais em que o plástico é a face mais visível também, assim como de outras áreas que a nossa I&D aplicada se vai encarregando de descobrir num trabalho conjunto com os principais agentes deste setor”.