Como será o futuro do dinheiro?
Ricardo Macieira, Country manager da Revolut em Portugal
Desmaterialização
Definitivamente desmaterializado. Muitos especialistas internacionais admitem que o dinheiro físico pode mesmo desaparecer em 2030 e situações como a que foi imposta pela pandemia da Covid-19, parece-me, veio acelerar este processo; APIs abertas e open banking serão prática comum, com as pessoas a exigir um ecossistema seguro e hiper personalizado, com financial advisors ou especialistas em finanças pessoais automatizados a ajudar-nos a gerir o nosso dinheiro; os bancos tradicionais provavelmente vão tornar-se menos relevantes e podem ter de mudar uma grande parte dos seus modelos de negócio; admito que possamos assistir a um aumento de moedas virtuais e ativos digitais nos portefólios financeiros das pessoas. Esta é a minha visão e, em larga medida, a da Revolut que já tem contas multi-moeda, compra e venda de ações, criptomoedas, ouro – sendo que planeamos adicionar mais metais preciosos à nossa oferta atual.
João Baptista Leite, Presidente da Unicre
Acompanhamento de contas
Passa pela cabal digitalização. As necessidades atuais tendem a valorizar a simplicidade e a rapidez com que se fazem transações. O mundo digital responde a este desafio, acrescentando ainda segurança e comodidade. Por um lado, os pagamentos à distância estão a tornar-se numa realidade inquestionável, tendo beneficiado de um significativo desbloqueio, em tempo de pandemia, pelo que, indubitavelmente, continuarão a fazer parte das nossas rotinas. Por outro, a desmaterialização do dinheiro, progressivamente mais presente, admite uma melhor gestão do mesmo.
Nunca foi tão fácil acompanhar as contas através de um simples smartphone que, tal como o cartão e/ou wearables, também serve, por si só, como meio de pagamento. A tecnologia contactless permite pagamentos rápidos e eficientes que acompanham o atual ritmo de vida. Por exemplo, no Mass-Transit, um projeto da Reduniq em parceria com a Visa, o cartão bancário irá assumir a função de um “passe contactless”, tornando, desta forma, os pagamentos de viagens em transportes públicos num processo muito mais ágil. Outrossim, os pagamentos cashless possibilitam hoje gerar informação estatística, de forma anónima e credível, sobre o comportamento dos consumidores, dados relevantes que contribuem para decisões operacionais. Um comerciante Reduniq terá acesso, por exemplo, a um relatório que lhe permita avaliar o perfil de consumo dos seus clientes, facilitando, assim, a tomada de decisões estratégicas.
Paulo Raposo, Diretor geral da Mastercard em Portugal
Pagamentos ‘contactless’
Digital. E o futuro dos pagamentos vai ser sem contacto. Caminhamos a passos largos para uma sociedade cashless e a pandemia acelerou esse processo. O Governo reconheceu-o e decidiu “facilitar e incentivar o uso de instrumentos de pagamento eletrónico (…) em detrimento dos métodos tradicionais de pagamento, como moedas e notas”, incluindo para os pagamentos de baixo valor. Esta medida ter-se-á justificado porque mais de 90% dos portugueses tem, em média, 22 euros na carteira. Mas 7 em cada 10 também tem um cartão de débito e, em média, 55% confirmam que é Contactless (estudo da Marstercard realizado em 2019). Outra medida importante é o aumento de 20 para 50 euros do valor permitido para pagamentos contactless, uma solução que a Mastercard anunciou praticamente em simultâneo em 29 países da Europa, tendo sido Portugal o primeiro a adotar o novo limite. Por outro lado, a Mastercard assegurou que, desde 1 de janeiro de 2020, todos os terminais estivessem habilitados aos pagamentos sem contacto. A Mastercard tem vindo a liderar, em toda a Europa, a promoção da utilização de cartões Contactless e do pagamento através de dispositivos móveis. Atualmente, 75% de todas as transações da Mastercard na Europa são contactless. Por fim, há outras duas dimensões que confirmam o rumo ao cashless e nas quais a Mastercard contribuiu para que os operadores europeus se posicionassem na vanguarda da inovação. Por um lado, com o aparecimento das fintech o setor financeiro tornou-se quase 100% digital, motivado pelo interesse crescente dos clientes por serviços de online banking. Por outro, a explosão do e-commerce, do m-commerce e dos serviços online, que vieram impulsionar novas oportunidades para negócios e pessoas.
Paula Antunes da Costa, Country manager da Visa em Portugal
Biometria
A maneira como pagamos e recebemos está a mudar rapidamente. Os consumidores estão cada vez mais confiantes em efetuar pagamentos com cartão e procuram métodos de pagamento mais convenientes. Nesse sentido, a tecnologia contactless está a revelar-se como o tipo de inovação que nos permitirá absorver uma parte significativa das transações em dinheiro que ainda são hoje feitas em Portugal. Se considerarmos as inovações tecnológicas que estão a ser desenvolvidas ou implementadas atualmente e que vão com certeza moldar o futuro do dinheiro, podemos mencionar a biometria. Hoje, a biometria é relativamente comum em smartphones que identificam as impressões digitais ou reconhecimento facial dos utilizadores, mas a Visa já está a trabalhar nessa área da biometria comportamental. A maneira como andamos ou piscamos os olhos pode ser prova da nossa identidade e ser utilizado para fazer pagamentos, através das nossas características únicas. No curto/médio prazo com a expansão do ecossistema e a explosão de dispositivos conectados à internet (IoT), assistiremos por exemplo à aceleração da tokenização dos pagamentos (substituição dos dados reais do cartão por um token). Neste contexto, a Visa disponibiliza um crescente portefólio de serviços que permitem que pagamentos com token, contactless, online, mobile e P2P sejam mais facilmente incorporados em novos produtos, como o Visa Token Service, Visa Direct, carros inteligentes conectados à Internet, vários produtos contactless, entre outros.
Renato Oliveira, Chairman e CEO da ebankIT
Agilidade e rapidez
É digital, sendo que o timing de transição deve ser o mais rápido possível. Acreditamos que cada vez mais os bancos vão digitalizar os seus processos ao serviço do cliente e que a experiência de interação destes será essencial, independentemente do canal. A realidade é que com a disseminação da utilização de cartões de crédito e débito, aplicações de pagamento e bancos online transformaram-nos numa sociedade muito mais ágil e rápida, em que o tempo é um ‘asset’ valiosíssimo e em que as camadas mais jovens não se reconhecem com o atual sistema financeiro. Acreditamos por isso que esta mudança é uma realidade que já nos bateu à porta e que temos que conseguir acompanhar rapidamente.
E é para esta transformação digital que a ebankIT está preparada, e trabalha diariamente com clientes de todo o mundo – para que estes possam acompanhar o futuro do dinheiro e as necessidades dos seus clientes. Se pensarmos numa perspetiva de segurança, o risco de ciberataques irá proporcionalmente aumentar, por isso a cibersegurança é um tópico que será cada vez mais importante acautelar e é também umas das nossas principais áreas de atuação.
Igor Brito, CEO da HiSonia & Planning4life
Papel das cripto
Quando se pronuncia a palavra dinheiro as pessoas imediatamente fazem associações, e gera por si só, emoções. Se a uns provoca alegria, a uma larga maioria provoca emoções mais desafiantes. Nos últimos anos o dinheiro tem mudado de formato, mas sobretudo tem vindo a ser desmaterializado, por isso, parece-me natural um amanhã sem dinheiro físico. E uma vez que o mundo está “inundado” de smartphones, até nos países em desenvolvimento esta mudança acontecerá rápido. Uma das questões que se coloca é “que dinheiro vai existir?”. Será a Bitcoin, Ethereum, libra ou será uma outra criptomoeda mundial criada por diversos bancos centrais? Acredito que este tema influenciará a nova ordem mundial, podendo criar conflitos entre as grandes potências mundiais. Deixo aqui a questão: Como será viver num mundo sem moedas controladas pelos estados?
Simão cruz, Cofundador da Portugal Fintech
Digital
Numa palavra, é digital. Tanto no mundo físico como no virtual será mais fácil guardar, aceder, gerir e utilizar o nosso dinheiro. Em pessoa, temos assistido à chegada do contactless e às constantes subidas dos limites permitidos. O próprio plástico será gradualmente substituído pelos pagamentos com o telemóvel ou com wearables, como o relógio digital. O mundo virtual é aquele que vai sofrer a maior expansão, no qual enviar dinheiro a alguém será tão simples, rápido, ou divertido, como fazer um ‘like’.
Fátima Nobre, Diretora de serviços financeiros da Minsait Payments
Pandemia acelera digitalização
“Desconfinamento faz disparar transações contactless”; “Transferências imediatas dispararam mais de 300% no ano passado”, são títulos recentes da imprensa portuguesa que mostram que o presente e o futuro do dinheiro já é digital. Um relatório de Tendências de Meios de Pagamento da Minsait Payments, uma empresa da Indra, mostrava no início deste ano, que os portugueses eram dos que menos usavam numerário (moedas e notas) para pagar despesas mensais, entre os diferentes mercados analisados. Com o cenário de pandemia, os pagamentos digitais ou com tecnologia contactless (cartões, smartphones) são vistos como a melhor alternativa para ajudar a sociedade e empresas a reduzir o risco de contágio por doenças infeciosas – como a Covid-19 – e a aumentar os padrões de segurança nas operações diárias com os bancos. Mesmo na área dos levantamentos em caixas automáticas, já existem soluções que permitem disponibilizar o dinheiro, em menos de cinco segundos e sem qualquer contacto físico com o dispositivo eletrónico. É o caso da solução TAPP da Minsait que permite equipar caixas automáticas com a funcionalidade de levantamento através de código QR ou NFC. O cenário de saúde no pós-emergência vai caracterizar-se por uma aceleração dos sistemas de pagamento sem dinheiro, bem como pelo comércio online, cujo crescimento exponencial poderá determinar uma profunda mudança a longo prazo nos hábitos de consumo.
Ali Niknam, CEO e fundador do bunq
Transparência na gestão
Estamos a caminhar em direção a uma sociedade cashless e esse processo foi acelerado pela atual pandemia da Covid-19. No futuro, teremos várias contas bancárias e, em muitos anos, convergiremos para menos moedas (partindo da perceção de um utilizador pelo menos). As empresas estão o optar por transações cashless – pagamentos online ou pagamentos sem contacto – para ajudar a combater os riscos associados ao excesso de exposição. Embora a base disso seja para objetivos de segurança, enquanto proprietário de uma empresa, sei qual é a vantagem de poder acompanhar as finanças de uma maneira simples e transparente. É essencial. Para os consumidores, muitas pessoas tiveram que se adaptar – especialmente os idosos – como necessidade. Com os pagamentos digitais a tornarem-se mais familiares em todas as gerações, rapidamente começaremos a ver seções da sociedade, especialmente nas grandes cidades, ficarem completamente cashless.
José Maria Rego, Cofundador da Raize
Segurança e investimento
Os meios de pagamento têm vindo a evoluir nos últimos anos tornando-se cada vez mais digitais, seguros e instantâneos. São cada vez mais os clientes que estão confortáveis a realizar pagamentos online, que passaram a ser essenciais durante este período confinamento. É esperado que o número de utilizadores de pagamentos online aumente significativamente durante os próximos meses e os dados já apontam nesse sentido. Como consequência, espera-se que a utilização de numerário continue em queda. Em termos de investimento, é expectável que seja cada vez mais difícil aos investidores encontrar boas oportunidades de rentabilização das suas poupanças. As elevadas injeções de liquidez no sistema financeiro (associadas às medidas de estímulo à economia) afetam o normal funcionamento dos canais de investimento, distorcendo o preço dos ativos e tornando o investimento cada vez mais difícil. A poupança devia ser tratada pelas autoridades como uma prioridade nacional, como forma de ajudar as famílias a suportar eventuais crises e sentirem-se mais seguras.
Nuno Loureiro, Responsável da área de pagamentos – Santander Portugal
Sociedade cada vez mais cashless
Apesar da relevância assumida pelo “dinheiro” na sociedade portuguesa – segundo o Banco de Portugal, os pagamentos em numerário ainda representam cerca de 60% do número de operações – o sistema de processamento de pagamentos de retalho em Portugal registou, em 2019, um crescimento, em número de transações, de 9,3% (a maior taxa dos últimos cinco anos) muito impulsionada pelos pagamentos eletrónicos.
A digitalização dos pagamentos irá continuar a ganhar terreno como meio de troca, sendo impulsionada pelo crescimento dos interfaces digitais e dispositivos conectados à internet (Internet of things – IoT). Além disso, os pagamentos digitais vão contribuir para um incremento de conveniência, simplicidade, segurança e capacidade de integração na experiência de consumo tornando o pagamento mais invisível e instantâneo.
Adicionalmente, a atual pandemia poderá funcionar como catalisador da implementação de um “novo normal” de pagamentos digitais na sociedade portuguesa. Ou seja, o crescimento recentemente verificado ao nível da utilização da tecnologia contactless (via cartão físico, smartphone ou wearables), das compras online, das transferências instantâneas e das soluções de comércio eletrónico para as empresas indicia uma alteração de comportamentos que pode ter vindo para ficar.
Assim, restam poucas dúvidas, que a digitalização dos pagamentos será uma prioridade na agenda dos principais bancos, que irão continuar a inovar para disponibilizar soluções cada vez mais eficientes ao mercado (empresas e consumidores). Certamente que esta dinâmica contribuirá para uma sociedade cada vez mais cashless (a título de exemplo, a Suécia prevê que, em 2023, possa vir a ser uma sociedade cashless).
Sebastião Lancastre, CEO e fundador da easypay
Novo normal
Se há coisa que a Covid-19 nos está a mostrar é como é necessário antecipar o futuro dos pagamentos. O dinheiro, como o conhecemos, já tinha uma tendência para desaparecer, mas a Covid-19 veio acelerar este eclipse e deu-lhe uma carga negativa. Neste momento manusear o dinheiro pode trazer consigo o vírus, que todos queremos evitar.
Logo não usamos dinheiro e quando nos obrigam ficamos irritados e com uma imagem negativa da loja. Isto contribuiu decisivamente para que o pagamento sem contacto e à distância, se torne finalmente no novo normal, quebrando as barreiras naturais de habituação e de alguma desconfiança sobre a sua utilização. As fintechs têm estado a responder a estas necessidades urgentes e a trazer as tecnologias do futuro para os dias de hoje. Mas o dinheiro também se está a transformar, porque as novas soluções de pagamento proporcionam mais informação.
Podemos saber com precisão onde fizemos as compras, o que comprámos, verificarmos as nossas faturas e quem sabe até partilhar com os nossos amigos e família todas estas novas experiências de pagamento. Por outro lado, as próprias lojas onde fazemos os pagamentos poderão usar a informação sobre as nossas compras para melhorar as nossas opções e simplificar as nossas vidas. É mais fácil decidirmos quando temos a informação à mão. Tudo isto será possível com plataformas que serão mais rápidas e que terão maior capacidade de armazenar informação e sobretudo de interpretá-la, protegendo sempre a privacidade dos nossos dados.
João Barros, CEO da Pagaqui
Confiança vem com o tempo
100% digital. Se ainda conhecíamos alguns céticos, que duvidavam do fim do numerário, a Covid-19 veio trazer a clareza que faltava. Já existiam bons motivos para prever o declínio ou mesmo desaparecimento dos pagamentos em numerário – o dinheiro digital tem custos significativamente menores; é logisticamente mais eficiente, instantâneo e, quando regulado, permite maior rastreabilidade e transparência. A OMS admitiu que o dinheiro vivo pode ser veículo de transmissão do vírus e a resistência ao pagamento com dinheiro físico é já uma realidade. A tecnologia e os recursos existem em número significativo para a transformação do numerário em digital, mas o que falta para a massificação desta forma de pagamento? Em primeiro lugar, a mudança de hábitos. Em segundo, a confiança. A generalidade da população ainda desconfia do dinheiro digital e este problema só se resolve com tempo, comunicação e segurança acrescida. Temos confiança no numerário porque o podemos sentir fisicamente. Temos confiança nos cartões bancários porque sabemos que eventuais fraudes são assumidas pelos acquiers, ou seja, existem entidades reguladas que garantem a integridade do fluxo financeiro. Por último, a universalidade – ou a falta dela, neste caso rede de aceitação. A Covid-19 veio mostrar o caminho que os pagamentos devem seguir. Mas para chegarmos à meta, falta abrir algumas portas e a mais importante de todas, a da universalidade. É imperativo que todos os players coexistam e colaborem numa economia de pagamentos 100% digital e sem barreiras.
João Fonseca, Partner da Deloitte e líder de consultoria para a banca
Inovação
Continuará com um acelerado ritmo de inovação e com uma desmaterialização progressiva do dinheiro físico. Temos fintechs que em poucos anos passaram a fazer parte do nosso quotidiano, como a Revolut ou a Paypal, e BigTech a apostarem forte na área de pagamentos, como a Apple Pay, a Google Pay ou o Alipay. As mobile money accounts têm sido um importante fator de inclusão financeira no mundo. Por fim, as moedas digitais, e em particular a importância que os bancos centrais estão a dar as mesmas, serão um passo decisivo rumo à digitalização do dinheiro.
Os países escandinavos, onde o dinheiro físico representa apenas entre 2 a 6% da massa monetária existente, encontram-se na vanguarda da desmaterialização do dinheiro. No resto da Europa este indicador situa-se nos 15% e a dependência do dinheiro físico ainda é elevada, com 80% do número total de pagamentos feitos em ponto de venda a serem realizados com moedas ou notas, segundo o BCE. É ainda necessário aprimorar a mitigação dos riscos inerentes à digitalização do dinheiro, desde logo relacionados com questões de cibersegurança, proteção de dados pessoais e com a exclusão de faixas da sociedade sem acesso a meios digitais. Os avanços nestes domínios, acompanhados pela necessária evolução da regulação, serão condições necessárias para que o elemento fundamental da confiança no sistema monetário e financeiro esteja sempre presente.